A Escatologia nos documentos do Concílio Vaticano II

Há 50 anos terminava o Concílio Vaticano II, no qual foram discutidos temas fundamentais da fé católica, entre eles a aproximação da Igreja com a Sociedade. As discussões resultaram em quatro constituições, além de decretos e declarações. No curso Para Além do Já: A Escatologia do Concílio Vaticano II, o professor Renato Borges da Silveira Neto, propõe revisitar os temas discutidos no Concílio, em especial os documentos Lumen Gentium e Gaudium et Spes, nos quais foram cristalizados os aspectos escatológicos que a Igreja crê, aqueles que apontam para o fim da história, como o que acontecerá com a volta de Cristo e qual será o destino final do homem e do mundo. Nesta entrevista, o professor avalia alguns aspectos do Concílio e explica questões que serão tratadas no curso.

O que o Concílio Vaticano II representou para a Igreja Católica?
Renato Borges Neto:
Essa é uma pergunta de difícil resposta. O Concílio Vaticano II, com seus quase dois mil padres conciliares, suas 4 constituições, 9 decretos e 3 declarações, procurou atualizar a capacidade de diálogo da Igreja com o mundo moderno, com os homens e mulheres de um mundo que mudava cada vez mais rapidamente. É a ideia de aggiornamento do Papa João XXIII. Pode-se dizer que o Concílio mudou, em certa medida, a face da Igreja e fez com que ela se fizesse mais próxima dos homens e mulheres deste tempo. A liturgia em língua vernácula, o ecumenismo, a relação com os não-cristãos e a liberdade religiosa são só alguns exemplos disto. Foi um evento extraordinário, um dom do Espírito Santo para toda a Igreja e mesmo para a humanidade. Foram tocados diversos assuntos de grande incidência na sociedade e no mundo. Não foi um evento só intra-eclesial, portanto. Considero, todavia, praticamente impossível, em uma só resposta, falar da importância do Concílio. Seria necessária uma obra de muitos volumes.

As mudanças que ocorreram após o Concílio foram aceitas com tranquilidade pela comunidade católica?
Renato Borges Neto:
Não. Diria que mesmo saudado com alegria pela maior parte dos católicos, é conhecido o período de instabilidade e turbulência vivido pela Igreja no período pós-conciliar. Este movimento era capitaneado basicamente por dois grupos: um, progressista, que desejava e pressionava pelas mudanças apontadas no Concílio e até mais do que aquelas apontadas por ele; e outro, tradicionalista, que se opunha à abertura do Concílio ao ecumenismo, à reforma litúrgica, ao princípio da colegialidade, entre outras diretrizes conciliares. Isso foi seguido por uma crise de vocações sacerdotais nos seminários e um acentuado abandono da vocação religiosa. Esse “inverno” – termo usado pelo teólogo jesuíta K. Rahner – pelo qual passou a Igreja depois do Concílio não se manifestava, porém, em toda a Igreja. Era necessário perceber as grandes diferenças entre a situação da Igreja na América Latina e África e aquela na Europa, por exemplo. Fato é que, ainda hoje, persistem algumas dissenções de comunidades que se desagregaram da Igreja católica porque não aceitaram as decisões do Concílio.

O que você quer dizer com a Escatologia do Concílio Vaticano II?
Renato Borges Neto:
Quero me referir à escatologia conforme aparece na obra conciliar, ou seja, aquela que surge como reflexão do próprio Concílio sobre os temas escatológicos. Como o Concílio organizou essa reflexão? Esta é uma análise que pode ser feita.

Por que as constituições Lumen Gentium e Gaudium et Spes foram as escolhidas para serem abordadas no curso?
Renato Borges Neto:
Justamente porque concentram essa reflexão escatológica feita pelos padres conciliares. Esse não é um tema exclusivo destes documentos, naturalmente, mas há ali uma síntese importante. É preciso levar em consideração uma dificuldade que foi própria do Concílio Vaticano II: em um certo momento, os padres conciliares tinham diante de si uma gama impressionante de assuntos para discutir sintetizados em, nada menos, que 70 esquemas preparados pelas comissões pré-conciliares. Isso refletia a vastidão de temas considerados importantes pela Igreja no mundo todo, que levaria o próprio Concílio a um excessivo prolongamento, o que seria na prática impossível de realizar. Buscava-se, então, a partir de um tema central que pudesse servir de eixo, um olhar sobre o que fosse mais urgente e importante. Quando, em dezembro de 1962, durante a 33ª Congregação Geral do Concílio, o cardeal de Bruxelas L. Suenens apontou o tema da Igreja – em suas perspectivas ad-intra e ad-extra – como eixo central do concílio, ele foi amplamente apoiado. Desse trabalho surgiram os dois documentos considerados mais importantes do Concílio, uma constituição dogmática, a Lumen Gentium, e uma constituição Pastoral, a Gaudium et Spes. O tema da escatologia tratado no Concílio foi concentrado precisamente nestes dois documentos principais. É por isso que os escolhemos para uma análise mais próxima.

Reportagem: Amanda Spaner