Ética em diálogo no Pátio dos Encontros

Um encontro no Theatro Municipal do Rio de Janeiro reuniu, na última quinta-feira, 6 de abril, O cardeal Gianfranco Ravasi, Presidente do Pontifício Conselho da Cultura, com os escritores Nélida Piñon e Arnaldo Niskier, Imortais da Academia Brasileira de Letras, e o professor Muniz Sodré, da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Eles debateram o tema Ética e Transcendência, com a mediação do jornalista Gerson Camarotti. O Pátio dos Encontros foi criado por iniciativa do Vaticano para incentivar o diálogo, especialmente entre crentes e não crentes, nas áreas de interesse comum a ambos os grupos.

Em suas palavras de abertura, o cardeal Orani João Tempesta recordou que a realização do Pátio dos Encontros no Rio de Janeiro começou a ser pensada há 3 anos, durante a visita do Papa Francisco na Jornada Mundial da Juventude, e ressaltou a escolha do tema como especialmente importante nos dias de hoje, principalmente pela corrupção: “O atual momento transforma o tema da ética em urgência a ser enfrentada”. Dom Orani destacou a necessidade propor soluções que levem em consideração o respeito pelo diferente em um ambiente de paz e fraternidade e finalizou citando o Papa Francisco:

– Queremos, usando uma imagem tão querida ao Santo Padre Francisco, ser pontes, isto é, possibilitar que, em meio às diferenças, possamos nos sentar juntos, não apesar das diferenças, mas exatamente por causa das diferenças. O diferente não nos deve apenas assustar, mas, ao contrário, suscitar em nós o fascínio pelo encontro e pelo diálogo.

Em sua fala, Muniz Sodré pontuou a relação entre ética e dignidade diante da perda de valores em vários setores da vida social, passando pela educação, a religião e a política:

– A ética aparece como uma coisa que você não sabe exatamente o que é, mas sente, e talvez esteja aí precisamente o que estamos chamando de vigor da ética. Alguma coisa que coletivamente não se conhece em termos de formulação, que não é a moralidade, mas se sente como um imperativo irrecusável. A ética como alguma coisa de que não se pode prescindir em função de um destino comum. Essa ética faltante, que sentimos e podemos ir às ruas por ela, é a única garantia de dignidade que dispomos.

Já a escritora Nélida Piñon partiu de seu ofício de escritora para ‘defender’ a relação entre ética e estética:

– A arte não aceita juízo de valor. Nascida do inconsciente, ela cumpre o dever de iluminar os veios poéticos e do verbo e os desígnios secretos da narrativa. Cingida ao humanismo e à sua vocação transgressora, ela espelha uma ética cuja ordem moral inibe os excessos da voracidade humana, sobrepõe-se à crueldade, ao mal absoluto.

O escritor Arnaldo Niskier lembrou que a única criatura à qual se dirige o Criador é o ser humano, e que somente o caminho do conhecimento do humano é capaz de nos aproximar de Deus. Segundo ele, “A ética não é uma simples lista de condutas a ser seguida. Debater a ética é uma experiência incansável de pensar e refletir as atitudes humanas e suas consequências”.

Último a falar sobre o tema, o Cardeal Ravasi percorreu uma lista de pensadores de diferentes épocas para tratar da relação entre a ética e a verdade, sublinhou que somos diferentes e que não há uma verdade única para todos e encerrou sua fala com uma parábola tibetana sobre um homem caminhando sozinho no deserto. De repente, o homem nota algo se movendo no horizonte. Inicialmente ele teme que seja um animal feroz. Ao notar que se trata de um outro homem, teme que este possa ser um criminoso que lhe faça mal. Então ele segue adiante até encontrar-se com a criatura, o medo fazendo com que mantenha os olhos baixos, mas ao olhar para a frente, tem diante de si seu irmão: “São os olhares que nos salvam, somos irmãos, os filhos de Adão”, concluiu Ravasi.

Após as falas houve um momento para perguntas da plateia, que giraram em torno do atual cenário de corrupção no país e descontentamento da população. Nélida lembrou com humor que um país que gerou Machado de Assis é capaz de superar qualquer obstáculo. Já Sodré, ao falar sobre as diferenças que geram a violência, refletiu que muitas vezes é da presunção da unicidade da verdade que nasce a violência: “Assim como se ensina a odiar, é possível ensinar a amar, e esse ensinamento é ético”.

O encontro, que começou com a apresentação da Orquestra Sinfônica Jovem, terminou com um pequeno show da cantora Maria Bethania, que mesclou canções populares com temáticas religiosas e poesias e orações.